Foto do entrevistado Luiz BentoPor Gabrielle Novello

Em um cenário de crescente disseminação de conteúdo nas redes sociais, o diálogo entre ciência e sociedade é um desafio central no combate à desinformação. Nesta entrevista, quem fala sobre o assunto é Luiz Bento, divulgador de ciências do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro – Fundação Cecierj e pesquisador colaborador no grupo de pesquisa CEDICiências, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Biólogo e doutor em Ecologia, Luiz é criador do blog Discutindo Ecologia e do canal Divulgação Científica Libertadora. Também organiza o Encontro Brasileiro de Divulgadores de Ciência (EBDC) e a Olimpíada de Ciência e Arte.

 

Mirabilis: Luiz, no seu canal você aponta que a divulgação científica no Brasil ainda fala para os mesmos grupos, como se existisse um “clube da ciência”. Quais grupos fazem parte desse clube e quais não fazem?

Luiz Bento: Seriam os que chamamos de “convertidos” para a comunicação tradicional sobre ciência, com base em curiosidades e fatos considerados relevantes para a sociedade tecnocrata e para o progresso. O que busco na divulgação científica é atingir grupos que não buscam ativamente por conteúdo de ciências e que na verdade têm aversão à “ciência”, como palavra, como disciplina, como conteúdo em geral.

Mirabilis: Do ponto de vista da ciência, por que é importante abrir esse diálogo com outros grupos?

Luiz Bento: A importância é que devemos e precisamos chegar em quem realmente precisa do conhecimento científico, quem não tem meios para ter contato com a ciência e que, muitas vezes, acha que é chato ou difícil demais. Grupos que já consomem ciência e têm facilidade com temas científicos já iriam chegar neste conteúdo de qualquer forma. Nosso foco deveria ser outro.

Mirabilis: Quais são as principais barreiras que impedem a ciência de alcançar públicos mais diversos e de que maneira elas podem ser superadas?

Luiz Bento: Para mim, a principal barreira é o estado atual da internet, que mudou bastante nas últimas duas décadas, quando eu comecei. Na época de ouro dos blogs, a internet tinha menos conteúdo, não era direcionada por algoritmos obscuros, muito menos financiada para espalhar ódio e conteúdo falso. Nos anos 2000, o principal motor da internet eram buscas por palavra-chave no Google, ordenada pelo rankeamento, considerando cliques e citações entre sites e blogs. Isso, de certa forma, era muito mais democrático do que temos hoje. A dependência e centralização a partir das redes sociais, sem qualquer tipo de controle ou regulação, destruíram a forma de comunicação que conhecíamos. Por isso, o meu caminho cada vez mais se afasta das redes e volto ao presencial. Pois, eu procuro o diálogo a partir da conversa e do entendimento mútuo, o que é praticamente impossível nas redes sociais.

Mirabilis: O que seria uma divulgação científica libertadora?

Luiz Bento: Para mim, é a que contribui com o caminho e não tem resposta fácil para as questões. É a divulgação científica que dialoga, que parte do conhecimento prévio da pessoa, considera o outro importante e constrói a partir daí. É uma divulgação científica que não impõe o conhecimento científico ocidental, que considera o conhecimento e a arte de outras formas, sem hierarquia.

Mirabilis: Quais iniciativas você conhece, no Brasil ou em outros países, que caminham no sentido da ciência “fora da bolha”?

Luiz Bento: São iniciativas que buscam o presencial para não ficar só nele, mas, a partir do diálogo presencial, buscam reconectar as pessoas. A internet, na minha visão atual, deve ser o complemento das iniciativas, onde buscamos visibilidade e chegar a mais pessoas. Mas a divulgação científica na internet, apenas como reprodução de conteúdo, vira mais um conteúdo na timeline das pessoas, sem reflexão, sem diálogo. Iniciativas como a da Fundação Cecierj e da Fundação Oswaldo Cruz buscam este diálogo presencial, com professores, escolas e público de áreas em que normalmente a ciência não chega, como periferias e interior do Rio de Janeiro. Este é o meu foco atual, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. É no que eu acredito.